Em isolamento social e sem contar com uma rede de apoio, a mãe de um bebê de 1 mês ainda estava em licença-maternidade quando começou a receber áudios de seu chefe imediato. Nas mensagens, ele ridicularizava a situação vivida pela funcionária e dizia que, para conseguir ser atendido por ela, “também iria chorar e espernear”. O constrangimento e a inoportuna pressão agravaram uma rotina já estressante, prejudicando até mesmo a maternagem – os hormônios do estresse, afinal, são capazes de inibir a produção e a descida do leite.
Lembrado de pronto pela psicóloga Ana Reis, consultora empresarial na área de desenvolvimento humano e organizacional, o caso é mais um exemplo de como o bullying em ambiente de trabalho rapidamente chegou ao home office – afetando a saúde física, mental e emocional dos trabalhadores e causando prejuízo à produtividade. Um fenômeno que é agravado pelo quadro de ansiedade oriundo da lida com a pandemia, uma crise sanitária com desdobramentos econômicos que, além do receio pelo adoecimento, causa apreensão pela ameaça da perda de emprego.
“Dependendo da intensidade e continuidade, a vítima desses constrangimentos pode sofrer com reações emocionais como irritação e preguiça, chegando a casos em que há manifestação, por exemplo, de síndrome de Burnout (um distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso)”, cita a psicóloga. Não só: um estudo da Universidade de Copenhague, de 2018, analisou dados de cerca de 80 mil trabalhadores na Suécia e na Dinamarca e demonstrou que vítimas de bullying tinham 1,59 vez mais chances de desenvolver problemas relacionados ao coração em relação aos que não sofriam episódios afins – mesmo quando eram considerados outros fatores de risco nos dois grupos.
E agora, aparentemente, as videoconferências renovaram as possibilidades de constrangimentos. “As empresas estão dentro da casa de seus funcionários, que estão em diferentes condições sociais. Se não houver cuidado, podemos levar nossos preconceitos para esse lugar, e, ao invadir a intimidade do outro, podem surgir comentários pejorativos sobre o outro, sobre a casa do outro”, comenta. Caso de uma paciente de Ana Reis que foi cobrada por sua chefe imediata não em razão do trabalho que vinha entregando, mas sim por conta da mesa que usava. “A gerente chamou atenção dela dizendo aquela parecia uma mesa de botequim, ao que ela respondeu que não tinha dinheiro para comprar uma nova e, afinal, aquele era o tamanho ideal do móvel considerando que sua sala não é espaçosa”, lembra.
Produtividade cai
Diante desses quadros, são evidentes as perdas para as empresas. Afinal, para lidar com um ambiente desconfortável, o funcionário precisa desviar esforços, energia e inteligência que poderiam ser usados para gerar resultados. “Por isso, haverá queda de produtividade e maior carga de estresse, roubando capacidade de resposta e de motivação”, aponta Ana Reis. Ela acrescenta que empresas que têm times focados em um propósito crescem mais. Portanto, “as organizações precisam se lembrar de que o propósito não é só um amontoado de palavras que fica bonito na parede. É importante questionar: ‘Aonde queremos chegar? De que maneira vamos chegar a esses resultados?’ Sem dúvida, ao se fazer esse autoexame, vai ficar claro que o bullying é um obstáculo”, diz, sublinhando que a alta administração e as lideranças devem estar sempre atentas a comportamentos danosos. “Não é fácil, mas é possível”, garante.
A consultora critica que áreas de recursos humanos e desenvolvimento – “que deveriam ser especialmente vigilantes” –, por vezes não percebem situações vexaminosas e, outras vezes, até compactuam com elas.
Não é incomum, complementa, que o ato de constranger seja erroneamente compreendido como ferramenta por alguns gestores: “Já vi casos em que o presidente do instituto desqualificava todos os subordinados publicamente e os líderes precisavam gastar horas recuperando a motivação da equipe”.
Respostas da sociedade e individuais são importantes
Algo que vem pressionando pela transformação dos ambientes de trabalho em locais mais saudáveis é a postura mais enfática das pessoas em sociedade em relação, por exemplo, à discriminação por cor ou por orientação sexual, “que são ainda razões de bullying recorrente no espaço profissional”, informa Ana Reis.
A consultora avalia ser importante que exista também uma resposta individual: “A pessoa que está sendo alvo desses ataques precisa calibrar o que aceita ou não, se fortalecer emocionalmente – e, para isso, pode buscar ajuda com profissionais em desenvolvimento humano. Assim, terá condições de dizer que não vai aceitar mais aquela situação e aprender a encontrar saídas – sem replicar o bullying, o que seria uma péssima resposta”.
Fonte: https://www.otempo.com.br/interessa
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